TRATAMENTO DIFERENCIADO A CÔNJUGE E COMPANHEIRO EM SUCESSÕES
Questão de profundo debate e presente em diversas demandas judiciais é referente à sucessão envolvendo companheiros em união estável.
Por décadas (e por que não dizer séculos), a sociedade brasileira – bem como o nosso ordenamento jurídico – reconhecia apenas o casamento como instituto familiar acolhido pela proteção jurídica. O regime sucessório sempre foi conectado à noção de família, tradicionalmente ligada apenas à ideia de casamento. Mas esse modelo passou a sofrer alterações, principalmente durante a segunda metade do século XX, quando o laço formal do matrimônio passou a ser substituído pela afetividade e por um projeto de vida em comum.
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 (que nunca é demais lembrar ser a Lei Maior, que norteia todo o nosso ordenamento jurídico), tal visão foi sendo desconstituída, até porque a sociedade evoluía e passava a reconhecer diversas outras modalidades de formação familiar. Embasado nos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proteção da família, a ideia de que a relação oriunda do casamento tem peso diferente da relação havida da união estável passou a ser incompatível com a Constituição Federal de 1988.
Por meio das Leis 8.971/1994 e 9.278/1996, o legislador brasileiro estendeu aos companheiros os mesmos direitos dados ao cônjuge, com base no entendimento constitucional de que ambos merecem a mesma proteção legal com relação aos direitos sucessórios.
Entretanto, o Código Civil de 2002, lamentavelmente restituiu a desequiparação entre esposa e companheira, em descompasso do avanço igualitário produzido pelas Leis 8.971 e 9.278. Um claro e manifesto recuo, que, por si só, torna-se inconstitucional por violação ao princípio da vedação ao retrocesso. O artigo 1.790 do Codex Civil explicita o tratamento desigual e, a nosso ver, inconstitucional para a sucessão entre companheiros.
Não restam dúvidas quanto à equiparação de direitos entre o casamento e a união estável, devendo prevalecer entre todas as modalidades de formação familiar, eis que a Constituição Federal não apregoa qualquer discriminação ou tratamento diferenciado.
Felizmente, tal matéria está em fase final de discussão no Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 878694 sobre a legitimidade do tratamento diferenciado dado a cônjuge e a companheiro pelo artigo 1.790 do Código Civil, para fins de sucessão. Até o momento, sete ministros votaram pela inconstitucionalidade da norma, por entenderem que a Constituição Federal garante a equiparação entre os regimes da união estável e do casamento no tocante ao regime sucessório. O recurso, que começou a ser julgado na sessão desta quarta-feira (31/08/2016), teve repercussão geral reconhecida pela Corte em abril de 2015.
Uma decisão nesse sentido será um marco histórico para a matéria, que ainda trata com severa discriminação os direitos de família e sucessórios quando diante de institutos familiares diversos do casamento.
Essa é a luta diária que engajamos em nossa atuação nas demandas de Direito de Família e Direito Sucessório – aplicação do Direito embasado nas previsões constitucionais e em linha com a evolução da sociedade.
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